Dra. Maitê escreve sobre: A DOENÇA COVID-19 COMO RECONEXÃO

Dra. Maitê escreve sobre: A DOENÇA COVID-19 COMO RECONEXÃO

Nesse momento, de pandemia da doença COVID-19 que estamos vivendo, todos os habitantes do mundo estão escrevendo a mesma página do livro de história, sentindo emoções nunca imaginadas que seriam possíveis de ser vividas. Ninguém imaginava que em pleno 2020 iríamos estar dando banho em pacote de amendoim e em todos os outros alimentos antes de eles entrarem na nossa geladeira, após saírem do supermercado. Os planos para o ano viraram de cabeça para baixo, interrompidos por uma pandemia que exige distanciamento social e esse necessário isolamento social tem nos trazido incertezas e angústias. É uma realidade. Afinal, as mudanças foram muito bruscas nas relações pessoais, nas rotinas de vida e no trabalho.

O panorama atual é de medo e cuidado. O medo é importante: afeto diante do reconhecimento racional de um perigo mortal. Sentir o medo necessário para um autocuidado e aos cuidados dos outros é fundamental – a ausência total de medo subestima a propagação do vírus e coloca em risco a humanidade. Mas o confinamento forçado pode ser também produtor de um medo exacerbado, uma angústia paralisante, ou uma intranquilidade acentuada, que se configura em sintomas e em quadro psicopatológicos, como ansiedades, depressões, fármaco-dependências e drogadições.

O alto fluxo de notícias sobre o surto causa preocupação, mas propagar o pânico só atrapalha. A disseminação de informações fatalistas e sensacionalistas perpetua a sensação de perigo e incerteza. É fundamental que o pânico e a agitação não ofusquem as reais preocupações e medidas que precisamos lidar e instituir no momento. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece o estresse gerado pela crise e aconselha as pessoas a evitar assistir, ler ou ouvir notícias que causem sentimentos de ansiedade ou angústia. É recomendado buscar informações principalmente para tomar medidas práticas, preparar seus planos e proteger a si e aos seus entes queridos. Atualizar-se com informações uma ou duas vezes ao longo do dia nas plataformas das autoridades locais de saúde pode ajudá-lo a distinguir fatos de rumores.

Assim sendo, podemos escolher quais caminhos iremos seguir. Cada pessoa reage a um momento como este de forma única. Podemos nos desesperar, cultivar o medo patológico, disseminar as notícias dos números de mortos no Brasil ou podemos ser aquele tipo de pessoa que quer ajudar e se coloca à disposição dos familiares ou vizinhos mais idosos, que não devem sair de casa. Podemos escolher termos atitudes mais positivas e disseminar a alegria e sentimentos de gratidão.

Estamos tendo a oportunidade para nos reconectarmos com quem somos e com nossos sonhos. O momento atual abre a possibilidade para refletir sobre nossas crenças e pensar em alternativas para quando tudo voltar ao normal.

Nós nos acostumamos a ter muito espaço à nossa disposição e pouco tempo para usufruir dele. Os nossos dias estavam repletos de mil compromissos, muitos dos quais inúteis e sem sentido que digeríamos em piloto automático. Agora, ao contrário, fechados em casa para nos defender do coronavírus, temos muito tempo, mas somos obrigados a permanecer presos em espaços mínimos. Uma das coisas que pode nos ajudar é a cultura: literária, musical, científica, religiosa, artística. Assim, conseguimos transformar o ócio depressivo em ócio criativo. A arte é a mãe de todas as formas de criações. A própria ciência é dependente e filha da arte como ato subjetivo: criação, possibilidade de imaginar, fantasiar. Aproveitar da arte em sua pluralidade de linguagens e formas é o que pode nos proporcionar alguma leveza de existência neste momento. O momento é oportuno para retomarmos a arte viva em nosso dia-a-dia, as atividades de introspecção e reflexão.

Temos que aproveitar essa chance que devemos ficar mais reclusos e aprender algo diferente, corrigir rumos, estimular a criatividade. Há benefícios em usar o período de isolamento para planejar o pós-pandemia. O como sairemos ou poderemos viver após o perigo pandêmico está na dependência direta de como podemos vivenciar este aqui e agora do confinamento e do isolamento social.

Podemos dividir essa reconexão em quatro esferas que podemos atuar:

  1. Pessoal. Temos que reconhecer o que é importante como essência para cada um de nós. Diminuir as atividades ao ar livre, ser criativos e não nos acomodar. Ainda que a tecnologia seja um meio de sobrevivência e organização diante do caos não previsto, o isolamento e o confinamento forçam cada um ter que se haver consigo mesmo. Numa espécie de “autoexílio subjetivo”, somos lançados agora ao escancaramento de nossas angústias: nossas faltas e nossas insuficiências. Esvaem-se as miragens imaginárias de domínio e controle, nosso estranhamento com relação a nós mesmos, o “eu”. Revisite seus livros empoeirados, abrace os comprados e nunca lidos. Reconheça os objetos esquecidos em sua casa, descubra para que ele serve. Ouça seus discos velhos, ouça músicas novas. Cultive o silêncio, ele também é profundamente musical, também possibilita que as ideias surjam.
  • Familiar. Já que vamos ficar mais próximos de nossa família, tentar ter diálogos mais abertos e profundos. Perceba o que cada membro da família gosta mais, sem julgamentos. Tente agir com mais gentileza, pois todos estão mais confinados e vivendo situações de angústia e de incertezas de modo recíproco. Brinquem com seus filhos, de modo criativo. Vá para a cozinha, cozinhe e se desafie a fazer pratos novos e saborosos e leve a família com você com divisão de tarefas e na organização da casa. Redescubra o seu papel como integrante da família, seja você um pai, uma filha, uma irmã ou neta.
    Dividir  com a família os medos e expectativas sobre o isolamento e qual o papel que cada pessoa pode desempenhar para melhorá-lo pode ser útil. É importante que os pais ouçam e trabalhem com os medos de seus filhos, falem com sinceridade sobre a situação de maneira apropriada à idade e a contextualizem.
  • Coletivo. Importante termos o conhecimento e segurança em fazer a nossa parte como pessoa para que o desfecho disso tudo seja saudável para a grande maioria dos seres humanos que estão passando pela mesma angústia. A realidade duríssima e concreta imediata do nosso momento toca profundamente no real dos nossos afetos e pensamentos, exigindo de nós, mais do que nunca, uma capacidade de criar, rapidamente, novos modos de vida voltados ao agora e ao cuidado de si e do outro. Buscar informações e conselhos de fontes confiáveis ​​ajudará a evitar a ansiedade. Já sabemos que é prudente evitar aglomerações, apertos de mãos e abraços, não sair de casa sem necessidade e redobrar as práticas de higiene, incluindo lavar as mãos com regularidade e passar álcool em gel. Mas, se todas essas medidas nos convidam ao distanciamento, como exercitar a solidariedade e manter o senso de colaboração coletiva? Em crises como essa, ajudar outras pessoas em seu momento de necessidade pode beneficiar quem recebe apoio e, também, quem ajuda. É encorajador amplificar vozes, histórias e imagens positivas de pessoas locais que experimentaram o novo coronavírus e se recuperaram ou que apoiaram um ente querido através da recuperação e estão dispostas a compartilhar sua experiência.
  • Ética. O coronavírus está nos ensinando a dispensar o supérfluo, a reconhecer e a privilegiar o essencial. Está nos ensinando que o consumismo é um vírus pior ainda, que nos faz perder o sentido do necessário para nos impor o supérfluo. Está no ensinando que as necessidades radicais de introspecção, amizade, amor, jogo, beleza e criatividade são muito mais importantes do que as necessidades alienadas de poder e dinheiro. Está nos ensinando que, para satisfazer as necessidades radicais, não precisamos ter dinheiro, mas sentido de humanidade. É o momento do resgate do simples, do rústico, do artesanal, na contramão do ultra tecnológico artificial. Do resgate do lúdico e da inventividade descompromissada, improvisada e inusitada, produzindo novas descobertas e até redescobrindo fatos bem sucedidos e que foram prazerosos. Poderemos buscar, em um futuro próximo, quando formos comprar um produto entender a cadeia de produção dele. Menos consumo e mais valorização da empresa local com produtos locais, que gerem bem-estar para a nossa comunidade, financeiro e ambiental.

O coronavírus desnuda o desequilíbrio do planeta, mostra que podemos viver bem apesar de consumir menos e indica que devemos privilegiar o essencial. A cultura, pode ajudar as pessoas nesse período que estamos vivendo. Assim, podemos aproveitar esse ócio e crescermos de modo cultural como: lendo, ouvindo música, escolhendo assistir programas inteligentes na televisão, dialogar por telefone ou chamadas de vídeo, assistir “lives” na rede social de celebridades que você admira.

Tenha fé. Há os que estão rezando sozinhos, em pequenos altares em casa. E os que vão até as janelas fazer orações em voz alta, para si e para a vizinhança. Missas e reuniões online também ajudam, assim como mensagens de fé que chegam em grupos de WhatsApp. Em tempos difíceis, ter uma crença é ainda mais importante.

Concluindo, vemos que o coronavírus está nos ensinando que, para satisfazer as necessidades radicais, não precisamos ter dinheiro, mas sentido de humanidade. Que cada um de nós ache o sentido de reconexão, enfatiza a Dra. Maitê.

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